quarta-feira, 14 de junho de 2017

Com FGTS, varejo tem 1ª alta em dois anos


Com a ajuda da liberação do dinheiro das contas inativas do FGTS e da inflação menor, as vendas do varejo voltaram a crescer, após dois anos de queda. A alta foi de 1,9% em abril. Mas analistas acreditam que a recuperação do setor será lenta. Após 24 meses de quedas seguidas nas vendas, o comércio deu um sinal de alívio em abril e avançou 1,9% frente a igual mês de 2016, a primeira taxa positiva nessa comparação em dois anos. A desaceleração da inflação - que passou de 9,28% no resultado acumulado em doze meses em abril de 2016 para 3,60% em abril de 2017 - é apontada por economistas como a principal razão para o desempenho, já que representa aumento de renda real para os trabalhadores e abre espaço para compras.

A liberação de recursos das contas inativas do FGTS e a melhora das condições de crédito para as pessoas físicas também ajudam a influenciar esse resultado, além da Páscoa, que impulsionou as vendas de supermercados. Ainda que positivo, os dados da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) divulgados ontem pelo IBGE ainda estão longe de compensar toda a perda enfrentada pelo varejo nos últimos anos num cenário de recessão econômica. Frente a março, as vendas avançaram 1% em abril, após dois meses de queda. É o melhor resultado para o mês desde 2008.

- Abril trouxe um alívio e surpreendeu a todos. O resultado foi puxado basicamente por supermercados, mas o segmento de tecidos, vestuário e calçados também subiu. O movimento está ligado à descompressão de preços. É um fator positivo, mas em um quadro muito ruim e não muda a trajetória de crescimento que deve contar com altas modestas - afirma Paulo Robilloti, economista da LCA Consultores, que projeta alta de apenas 0,5% das vendas do varejo em 2017, após retração de 6,2% em 2016 e de 4,3% em 2015.

Na avaliação de Thais Zara, economista-chefe da Rosenberg & Associados, o efeito da inflação mais baixa deve se acelerar daqui por diante, mas ainda assim o cenário é de uma recuperação lenta e gradual:

- Com inflação mais baixa, aumenta o poder de compra. Mas a recuperação será com um mês de alta, outro de queda. A tônica de recuperação será essa, não vai ter direção única. 

IMPACTO DO CONTEXTO POLÍTICO

Em relatório, a consultoria ressalta que as perspectivas são positivas para os próximos meses, especialmente para o segundo semestre. "Queda de preços, crédito a pessoa física se recuperando (reagindo à política monetária) e melhora do mercado de trabalho, mesmo que sazonal, deverão contribuir para uma sensação melhor de consumo na segunda metade do ano".

Na avaliação do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), à medida que o ano avança, o comércio consegue estancar a fase mais adversa vivida nos anos de 2015 e 2016. O instituto ressalta, porém, que este processo se iniciou há pouco e continua sujeito a impactos negativos vindos, principalmente, do contexto político.

"Com uma inflação menor, alguma melhora na concessão de crédito a pessoas físicas e fatores extras, como a liberação dos recursos das contas inativas do FGTS, as famílias vêm conseguindo recompor, em doses moderadas, alguns gastos de consumo que a restrição da renda e o desemprego ou o medo dele acabaram reprimindo nos últimos dois anos", afirma o Iedi.

Economista da Tendências Consultoria, João Morais explica que o efeito do crescimento dos salários em termos reais por causa da desaceleração da inflação tende a se dissipar quando começarem os próximos reajustes, que já vão ser influenciados por esse novo cenário de inflação. Ele afirma, no entanto, que já se observa uma melhora das condições de crédito, ainda que incipiente.

- A Selic está caindo, mas o juro do crédito para pessoa física só começou a cair em abril. Esse efeito vai ser cada vez mais importante. A alta de abril materializa o início de um processo de recuperação do comércio, mas não será necessariamente um crescimento contínuo nem acentuado - diz Morais.

Os recursos das contas inativas do FGTS - que tiveram início em 10 de março - começaram a ter efeito no resultado do comércio, segundo economistas, mas é difícil estimar seu impacto. Entre os setores apontados com influência, estão tecidos, vestuário e calçados e móveis e eletrodomésticos, além do próprio setor de hipermercados e supermercados.

- Alguns sinais apontam que o FGTS teve uma participação importante no consumo. É difícil estimar, mas certamente tem algum impacto - afirma o economista da Tendências Consultoria. 

O EFEITO DOS JUROS

As vendas do setor de tecidos, vestuário e calçados subiram 3,5% em abril, frente a março, após queda de 0,6% no mês anterior. Frente a abril de 2016, o aumento foi de 10,8%.

Segundo a Fecomércio RJ, o crescimento do varejo na comparação com igual mês do ano anterior é um "importante sinal à tomada de decisão do empresário". A federação pondera que a oscilação dos indicadores é natural num processo de recuperação e ressalta que um fator relevante para o desempenho do setor será a continuidade da trajetória de redução dos juros pelo Banco Central - atualmente em 10,25% ao ano - de modo a garantir que os cortes na Taxa Selic cheguem a consumidores e empresários.



O Globo, Lucianne Carneiro, 14/jun