Casado e pai de dois meninos, de 5 e 14 anos de idade, Antonio Carlos Ferreira Teles, de 40 anos, lembra com nostalgia dos oito anos vividos até o início de 2016, quando emendou dois trabalhos em obras para os eventos esportivos internacionais sediados pelo Rio. Com um salário líquido médio de R$ 2,3 mil, conseguiu erguer a casa onde mora com a família em Japeri, na Baixada Fluminense. Sem emprego há um ano e dois meses, Teles agora é só lamentação. A família ficou sem plano de saúde, cortou as saídas de lazer e qualquer lanche fora de casa, e as compras no supermercado foram reduzidas a um sexto do valor que era gasto antes de o desemprego bater à porta. Uma realidade comum no Brasil, que mergulhou na recessão, e que contribui para que o consumo das famílias, indicador que corresponde a cerca de dois terços do PIB, continue recuando.
No primeiro trimestre de 2017, esse indicador registrou perdas pelo nono trimestre consecutivo, embora em ritmo menor. A queda foi de 0,1% em comparação ao quarto trimestre do ano passado - nos últimos três meses de 2016, o recuo tinha sido de 0,5%. Na comparação com os primeiros três meses do ano passado, a retração foi de 1,9%. O ritmo também é inferior ao do quarto trimestre, quando a taxa havia ficado negativa em 2,9%, na mesma comparação.
- Minha mulher, que antes podia se dedicar à casa e aos filhos, foi trabalhar de auxiliar de serviços gerais num hospital, mas eu não consigo emprego de jeito nenhum, apesar de ter o ensino médio completo e curso de mecânica. Não há vagas. E pobre ou come ou procura emprego, pois o gasto para sair de casa e passar o dia batendo perna é de R$ 30. Qual desempregado pode gastar isso mais de dois dias por semana? - indaga Teles, ao deixar o Site Nacional de Empregos (Sine), no Centro do Rio, na última quarta-feira.
ALÍVIO DA INFLAÇÃO
O desemprego é apontado por especialistas como o principal entrave para que o consumo das famílias - que nos 12 meses de 2016 acumulou queda de 4,2%, a maior em 20 anos - volte a crescer. A melhora no mercado de trabalho se dá a passos lentos, e as previsões são de uma taxa média de desemprego na casa dos 13% para este ano. Sobre o resultado do primeiro trimestre, também pesou negativamente a dificuldade que as famílias têm tido para obter crédito. O saldo das operações de crédito para pessoa física teve queda em termos reais no período, segundo o IBGE.
Juros um pouco menores e uma inflação que segue em queda, deixando de corroer a renda de quem ainda tem trabalho, ajudaram a segurar um pouco a queda do consumo das famílias no primeiro trimestre. E, por isso, a previsão de analistas é que, no resultado fechado do ano, o indicador saia do campo negativo, acompanhando o PIB, que não deve chegar a 1%.
- O consumo das famílias anda meio de lado, porque ainda temos queda na ocupação e o crédito continua bastante restrito. Por outro lado, como a inflação está baixando, temos a massa salarial, a renda nas mãos das famílias trabalhadoras, estável em relação ao primeiro trimestre do ano passado. A remuneração compensou em parte a queda na ocupação. E os trabalhadores ainda estão tendo reajuste com a inflação passada, que é mais alta - explica Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE.
Segundo Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens e Serviços (CNC) e ex-diretor do Banco Central, preocupa a sinalização dada pelo BC na quarta-feira, ao reduzir a Taxa Selic em um ponto, para 10,25%, de que deve diminuir o ritmo dos cortes daqui para frente por causa do ambiente de incerteza causado pela delação envolvendo o nome do presidente Michel Temer, há duas semanas.
- Se o Banco Central diminuir o ritmo de queda, isso vai afetar o consumo das famílias, pois os juros para tomada de crédito continuarão altos. O desemprego tampouco deve baixar este ano. O consumo só não vai cair mais porque a renda real está se estabilizando - analisa Freitas, que prevê queda de 0,2% do PIB no segundo trimestre deste ano, puxado para baixo justamente pelo consumo das famílias.
RECUPERAÇÃO, SÓ NO SEGUNDO SEMESTRE
Economista-chefe da Rosenberg Associados, Thais Zara também cita a incerteza como entrave a uma melhora do consumo das famílias:
- A incerteza abre uma janela menor para corte de juros. Outro canal de transmissão é a própria confiança. Se existia uma percepção de melhora, agora pode ser que você tenha decisões de consumo e de investimento adiadas.
Para a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, uma recuperação mais clara do consumo das famílias, assim como da indústria e dos investimentos, só deve ocorrer no segundo semestre:
- A queda dos juros e a inflação mais baixa ainda não tiveram efeito nesse dado do PIB, porque são fatores que levam de seis a nove meses para refletirem na economia.