Estudo prevê que a reforma trabalhista permitirá a criação de 2,3 milhões de empregos. A pesquisa, do Santander, estima em R$ 37 bilhões o custo para os empresários, por ano, da rigidez na legislação. Analistas alertam, porém, que deve haver perdas para trabalhadores menos qualificados. A reforma trabalhista pode gerar 2,3 milhões de empregos no país em pouco mais de um ano, segundo estudo do Santander obtido com exclusividade pelo GLOBO.
A estimativa leva em consideração a flexibilização de regras e consequente redução de custos para o empregador, que voltaria a contratar. Os autores admitem, no entanto, que esse é um processo que causará perdas para uma parcela dos trabalhadores, principalmente aqueles com menor qualificação. Por isso, destacam a necessidade de políticas de proteção social que amenizem esses efeitos.
O cálculo do banco leva em consideração o nível de regulamentação do mercado de trabalho brasileiro. A principal base para as conclusões é um relatório do Instituto Fraser que atribui notas a 159 países, de acordo com o grau de flexibilidade nas relações trabalhistas. São levados em conta fatores como regras e custos para contratar e demitir, facilidade para fechar negociações coletivas e regras sobre jornada de trabalho. Na última edição, divulgada em 2016 com base em dados de 2014, o Brasil aparece na 144ª posição, com nota 4,5. O líder era Hong Kong, com nota 9,4.
O estudo aponta que há uma relação entre a chamada nota de rigidez e a taxa de desemprego nos países. Quanto maior a nota - ou seja, quanto menor a rigidez -, menor a taxa de desemprego. Em Hong Kong, por exemplo, a taxa de desemprego em 2014 era de 3,3%, de acordo com o relatório. Em Angola, lanterna do ranking, o desemprego chegava a 6,8% em 2014, a mesma taxa que o Brasil naquele ano.
É com base nesse raciocínio que o estudo sustenta que o desemprego vai cair se a reforma trabalhista for aprovada. O modelo gerado pelo Santander estima que o indicador de rigidez brasileiro aumente em 1 ponto, o que resultaria em uma queda de 1,5 ponto percentual da taxa de desemprego - os 2,3 milhões de postos a mais.
De acordo com Maurício Molan, economista-chefe do Santander, que assina o estudo com o economista Rodolfo Margato, 70% das novas vagas seriam criados já no primeiro ano de implantação da reforma. Ele destaca dois efeitos de uma possível aprovação da proposta: a melhora do cenário econômico impulsionada por expectativas mais otimistas e a redução direta dos custos do trabalho.
- Tem dois efeitos relevantes para o mercado de trabalho. O primeiro é acelerar o ciclo, fazer a economia retomar o crescimento mais rápido, o que teria um impacto sobre o emprego. Além disso, poderia ter um efeito estrutural, decorrente só da reforma trabalhista. Quando você muda os parâmetros, o custo trabalhista cai e gera um aumento na demanda por mão de obra - explica Molan.
CUSTOS TRABALHISTAS: R$ 37 BI POR ANO
Para João Saboia, professor do Instituto de Economia da UFRJ e especialista em mercado de trabalho, ainda é cedo para dizer se a reforma trabalhista será capaz de gerar emprego. Ele destaca que o fundamental é garantir a recuperação econômica antes.
- Está se criando uma expectativa de que as reformas vão resolver tudo nesse país. Não é exatamente assim. Precisamos de várias reformas, mas não vai haver milagre. O momento é muito desfavorável. A principal coisa que a gente tem que fazer é criar expectativa favorável. Mas como criar expectativa favorável com esse governo? - afirma o economista, em referência à atual crise política.
Professor da USP e coordenador do Salariômetro, o economista Hélio Zylberstajn também pondera que a reforma deve melhorar o ambiente de negócios, mas a esperada geração de empregos depende de outros fatores.
- A reforma que está sendo examinada e proposta não tem como objetivo a criação de emprego. Essa reforma deve ajudar o mercado de trabalho a funcionar melhor. Isso vai provavelmente influenciar a percepção dos consumidores, dos investidores. E aí, num outro momento, vai começar a melhorar a atividade econômica. O que cria emprego é atividade econômica - diz o economista.
A redução de custos é um dos destaques do estudo do Santander. O banco estima que o custo da legislação trabalhista para o empregador brasileiro seja de R$ 37 bilhões por ano, o equivalente a 0,56% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse valor é a soma dos custos das empresas para manter estrutura para lidar com a burocracia jurídica e pagar indenizações na Justiça do Trabalho.
- Isso ajuda a explicar um pouco as nossas ineficiências - destaca Molan.
'QUE PADRÃO VÃO TER ESSES EMPREGOS?'
Um dos principais pontos da reforma trabalhista é a possibilidade de que os acordos coletivos entre empregados e empregadores se sobreponham à legislação - o chamado acordado sobre o legislado. O tema é um dos que empurra o Brasil para baixo no ranking usado pelo Santander. No quesito "negociação coletiva centralizada", o país tem nota 5,39, abaixo da média mundial, de 6,56. Em relação às regras de contratação e salário mínimo, a nota brasileira é 2,23, contra média mundial de 6,33.
O estudo do banco chega a conclusões semelhantes às encontradas por uma pesquisa de 2008 realizada pelo Banco Mundial, com base em consultas a 10.396 empresas em 14 países latino-americanos, incluindo o Brasil. Na ocasião, a instituição estimou que o nível do emprego no Brasil poderia subir 2%, o que era equivalente a 2 milhões de novos postos de trabalho.
O argumento de que a reforma criará mais vagas é contestado pelos críticos da proposta, que temem a precarização dos postos de trabalho.
- Os empregos criados serão mal remunerados, de baixa qualidade e agressivamente lesivos aos empregados. Supondo que o estudo esteja certo, que padrão vão ter esses 2 milhões de empregos? - critica João Guilherme Vargas Netto, consultor de centrais sindicais e estudioso de relações de trabalho.
Saboia, da UFRJ, afirma que a saída para evitar negociações desproporcionais entre trabalhadores e empresas é o fortalecimento de sindicatos. A reforma prevê o fim da contribuição sindical, o que, na avaliação do economista, pode fortalecer os sindicatos que são realmente representativos, que encontrarão na base as fontes para o financiamento.
O especialista acredita ainda que os postos de trabalho criados durante a retomada não serão necessariamente qualificados:
- Na retomada, que vai acontecer em algum momento, com reforma ou sem reforma, a maior parte dos empregos vai ser de baixa qualificação. Tem que aumentar muito a produtividade do país para ter empregos melhores, que vão resultar em mais produtividade. Mas isso é coisa para longuíssimo prazo. A curto prazo é gerar empregos, quaisquer que eles sejam, e protegidos pelo menos pelo salário mínimo.
Molan, do Santander, lembra que a política de salário mínimo deve ser um dos mecanismos para evitar perdas:
- A reforma traz um mercado de trabalho mais eficiente. Isso é positivo para o país, mas no processo há ganhadores e perdedores. Infelizmente, os perdedores são os menos qualificados. Seria interessante que a reforma seja acompanhada de medidas de proteção a essas pessoas. Basicamente, seguro-desemprego, renda mínima e requalificação seriam as três frentes mais importantes.