quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Juros estáveis e pressão em alta


Termina hoje a última reunião do Copom antes das eleições. Quando o fim de outubro vier, o Brasil terá outro governo sendo montado. A decisão de hoje deve ser a de manter os juros em 6,5%, uma taxa que foi conseguida pelos acertos da política monetária e econômica. A alta do dólar está afetando preços por atacado como mostrou ontem o IGP-M, que reajusta os aluguéis. Os juros futuros subiram diante da ausência de qualquer informação concreta sobre o que será a economia do ano que vem.

É uma taxa de juros baixa para os nossos padrões, mas cercada de pressões. A Selic pode acabar sendo elevada em uma das próximas reuniões, por força da soma dos problemas que circundam a economia. Sobem nas pesquisas os candidatos com as propostas mais rasas sobre o que fazer para enfrentar os graves problemas fiscais brasileiros.

Países emergentes, principalmente Turquia e Argentina, afundam-se em crises. Na Turquia, o governo Erdogan tenta resolver com golpes de populismo e autoritarismo os problemas da economia, entre eles, a inflação e a crise cambial. Naturalmente fracassa. Na Argentina, o governo Macri queimou o bom momento em que teve a confiança dos investidores tomando medidas graduais demais para o tamanho do desequilíbrio macroeconômico deixado por Cristina Kirchner. A inflação voltou a subir, o dólar disparou, e o país pediu ajuda ao FMI. A crise da Argentina nos afeta diretamente pela interligação entre as economias.

A segunda prévia do IGP-M, divulgada ontem pela FGV, apontou alta de 1,34% em setembro. No acumulado dos últimos 12 meses, a taxa disparou 9,83%, aproximando-se dos dois dígitos. Esse é o índice de referência para a correção de contratos de aluguéis e isso significará um forte impacto na renda das famílias que ainda não têm a casa própria. O comércio também sentirá esse efeito. O subíndice IPA (Índices de Preços por Atacado) saltou 1,95% e no acumulado em 12 meses atingiu 13%. Os produtos agropecuários subiram 13,98%, e os industriais, 12,67%. Embora a inflação oficial medida pelo IPCA esteja baixa, famílias e empresas já estão sendo impactadas com aumento de custos.

Há pressões inflacionárias como a do atacado e o impacto da volatilidade cambial em vários outros preços. A alta de combustíveis está na faixa dos 10%. Gás natural está em 11,2%. O economista André Braz, do Ibre/FGV, alerta que a série do BC que acompanha os produtos comercializáveis estava com queda de 0,88% até maio e subiu para 1,93% de alta no ano em agosto. Há preços com alta forte, como a farinha de trigo, que subiu 15,7%, e o leite longa vida, que chegou a 38,5%. Começa a haver a contaminação dos preços pela alta do dólar provocada pela incerteza eleitoral.

Os juros não devem subir hoje, mas o ciclo de queda já foi interrompido e pode ser revertido. O que mais surpreende no período de queda da Selic é que as taxas não caíram tanto na ponta, como prova o levantamento feito pela Anefac. A Selic caiu a menos da metade, de 14,25% para 6,5%, mas as principais linhas não foram reduzidas na mesma magnitude pelos bancos. A taxa média de juros para os empréstimos pessoais caiu de 72% para 58%, a do financiamento de veículos foi de 31,8% para 24,3%, e a do cheque especial mal caiu: de 296% para 283%. Os juros do cartão de crédito tiveram forte queda, mas continuam em 280% ao ano. Há pouco a comemorar. Diante dessa distorção, formou-se um dos raros consensos dos candidatos brasileiros contra as taxas bancárias altas demais. Todos prometem enfrentar o problema, mas algumas soluções são intervencionistas e podem ter efeito bumerangue.

Nos próximos dias e semanas a tensão vai aumentar na política e, por consequência, na economia. O dólar deve oscilar ainda mais, ao sabor das pesquisas e dos inesperados dos quais esta eleição está repleta. Depois da decisão, o câmbio pode se acalmar a depender de quem for eleito e de que forma apresentar suas primeiras propostas para a economia. Essa equipe que está no Banco Central pode considerar que fez um bom trabalho até o momento. Pegou a inflação perto de 10%, os juros altos, e os reduziu. Assim o país está conseguindo atravessar este período de tensão pré-eleitoral em situação bem menos tensa do que seria, se a inflação e a Selic estivessem em dois dígitos.



O Globo, Míriam Leitão, 19/set