quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Construção teme que IVA gere aumento de carga e insegurança


A unificação dos tributos sobre consumo num Imposto sobre Valor Agregado (IVA) deve causar insegurança jurídica e elevar a carga tributária na construção, segundo entidades que representam o setor. Não somente a atividade da construção seria afetada, mas também a incorporação imobiliária, a locação e a corretagem.

Na incorporação imobiliária, a unificação dos tributos traria uma elevação de 15% nos custos do setor, diz o advogado Ricardo Lacaz Martins, que representa a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). O cálculo considera uma alíquota de IVA de 25% calculada por fora. Ele diz ainda que o IVA elevará os valores da corretagem de imóveis e da locação. Nesse cenário, o setor defende que a construção fique sujeita apenas a um IVA reunindo tributos federais.

"Precisamos lembrar que a reforma traz um jogo de soma zero. Então é preciso ver onde há ganho ou perda. A pergunta que não está sendo feita às claras é se o Brasil quer aumento de tributos em setores como saúde, educação, cesta básica e serviços em troca da redução de carga para a indústria e as instituições financeiras", argumenta o tributarista. Sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados, o advogado representa a CBIC e também o Secovi-SP nas discussões sobre a reforma tributária.

"As pessoas querem pagar uma geladeira ou um crédito bancário mais barato em troca de aumento de preços em serviços essenciais como saúde, educação e moradia?", questiona. "É preciso lembrar ainda que o aumento de custo é repassado aos preços no dia seguinte, mas a redução, não."

Uma das principais propostas de reforma tributária em discussão, a PEC 45, que tramita na Câmara dos Deputados, estabelece a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) reunindo os tributos federais IPI, PIS e Cofins ao ICMS estadual e o ISS municipal. Pela proposta, o IBS segue o modelo do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), calculado por fora e não cumulativo. Ou seja, que permite o desconto de todo o IVA pago nos insumos adquiridos pelas empresas.

Dos cinco tributos que devem ser reunidos no IVA, a construção civil recolhe três: PIS, Cofins e ISS. São 3,65% de PIS e Cofins e ISS de 2% a 5%. A alíquota e a forma de cálculo do ISS variam conforme o município. O setor paga hoje até 8,65% sobre receita com esses três tributos. PIS e Cofins são calculados de forma cumulativa e, portanto, não dão direito a crédito. O IVA de 25%, alega o setor, aumentaria a carga, mesmo permitindo o crédito do imposto pago nos insumos. Isso porque a mão de obra, um dos maiores insumos do setor, não dá direito a crédito.

No caso da incorporação imobiliária, a situação é mais específica. A atividade segue um Regime Especial de Tributação (RET) nos casos em que há patrimônio de afetação, que é a segregação das receitas e despesas por empreendimento. Nesse regime, a incorporação paga 4% sobre receita divididos em 1,26% para o Imposto de Renda; 0,66% de CSLL; 0,37% de PIS; e 1,71% de Cofins. Somados, portanto, PIS e Cofins são cobrados na incorporação à alíquota de 2,08%, numa carga menor ainda que a recolhida na atividade de construção.

Rodrigo Dias, sócio do VDB Advogados, tem representado entidades do setor de construção em debates sobre reforma tributária. Em nome do Secovi, da CBIC e de outras entidades do setor, Dias tem destacado que o IVA deverá elevar a carga nominal de tributos indiretos sobre a incorporação imobiliária num segmento em que parte representativa dos insumos não dá direito a crédito.

Os grandes custos na incorporação de imóveis, avalia Dias, estão na compra do terreno, sempre adquirido de pessoas físicas, no pagamento de direitos de construção à prefeitura, a chamada outorga onerosa, e no financiamento bancário. "Isso representa de 40% a 50% dos custos de produção da incorporadora, e não teremos crédito de IBS neles pelas duas PECs principais apresentadas até agora", diz, referindo-se tanto à PEC 45, que tramita na Câmara, quanto a PEC 110, que tramita no Senado.

Outra preocupação, segundo Dias, é em relação à reforma é de que o cálculo do imposto coloca em risco o patrimônio de afetação e pode trazer insegurança jurídica para as incorporação imobiliária.

De acordo com ele, a forma de tributação do IBS pode eliminar o regime do patrimônio de afetação, que segrega as receitas e despesas dos empreendimentos como forma de proteger os consumidores no caso de má saúde financeira da incorporadora. Para Dias, uma proposta alterando a tributação sobre consumo precisa contemplar uma alíquota adequada para o setor imobiliário, juntamente com desoneração de folha.

Na corretagem também haveria aumento de carga. Considerando que as empresas do segmento comumente estão no regime do lucro presumido, o PIS/Cofins pago é também de 3,65% cumulativos. O serviço de corretagem paga ISS de 2% a 5%. O aumento de carga tributária para os 25%, diz Lacaz Martins, resultará imediatamente no repasse aos preços. "Teremos um aumento de 15% na corretagem, com o agravante de que esse é um valor desembolsado à frente."

Livre do ISS, a locação de imóveis também paga atualmente 3,65% de PIS e Cofins, sempre considerando as empresas que estão no regime do lucro presumido. Além de impactar preços, diz Lacaz Martins, a tributação do IBS pode comprometer a alocação de capital na atividade imobiliária.

A carga tributária atual do setor, afirma ele, é de 14,53%, considerando IR e CSLL pagos nos lucro presumido, somados ao PIS e Cofins. A carga, segundo Lacaz Martins, é similar aos 15% de tributação sobre os investimentos financeiros. Se houver aumento da carga sobre locação, alega o tributarista, a atividade perde competitividade na atração de recursos.

Não há unanimidade entre os tributaristas sobre o impacto do IVA unificado na construção. Para Eduardo Fleury, sócio do FCR Law, é possível que haja elevação de carga em diversas atividades do setor, mas não no nível alegado. "Há muito ICMS e ISS pagos hoje em insumos na construção e que não dão direito a crédito. Quando esses créditos passarem a ser utilizados, o impacto será bem menor."

Basilio Jafet, presidente do Secovi-SP, diz que o setor reconhece a importância de uma reforma, mas há receio de que as propostas ainda não tenham atingido o nível de detalhamento necessário. "Defenderemos um reforma que seja boa para o país, justa e equilibrada, com ajustes que permitam que a tributação continue nos níveis de hoje."

O setor, segundo Lacaz Martins, aponta como melhor caminho o chamado IVA dual, em consonância com o proposta pelo relator Roberto Rocha na PEC 110, que tramita no Senado. Nesse modelo, conviveriam simultaneamente dois IVAs, um reunindo tributos federais e outro IVA de Estados e municípios, que juntaria os atuais ICMS e ISS. Nesse caso, o setor de construção e outros que poderiam ser afetados por um imposto unificado ficariam submetidos apenas ao IVA federal.

Para ele, a unificação da tributação sobre consumo é o melhor caminho, mesmo trazendo algum aumento de carga para determinados serviços. "O setor de construção pode se organizar para garantir uma regulamentação do IVA que leve em consideração as especificidades do setor", diz ele, lembrando que a reforma tributária não se esgota em uma emenda constitucional, mas será ainda regulada por lei complementar.

Fleury afirma que a construção muitas vezes tem tratamentos específicos em países que adotam o IVA. Em parte deles, exemplifica, a venda de imóveis residenciais novos e usados é isenta do imposto. Isso porque a venda de moradia gera um recolhimento de IVA que não será usado pelo consumidor se ele for pessoa física.

Essa impossibilidade de se creditar tiraria a competitividade dessa modalidade de venda de imóveis residenciais em relação à escolha que o consumidor tem de construir a moradia comprando insumos e contratando mão de obra. Nessa, opção, embora fique sujeito ao IVA pago nos insumos e na contratação de serviços, a pessoa física não pagará o imposto sobre o valor da moradia pronta, cuja base de valor agregado é maior.



Valor Econômico, Marta Watanabe, 26/set