quarta-feira, 6 de maio de 2020

TRF aceita redução de impostos em venda de imóveis por empresa


O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, deu aval a um planejamento tributário realizado pela gaúcha Transpinho Madeiras e anulou autuação fiscal de R$ 57 milhões, em valor atualizado. A madeireira recorreu ao Judiciário depois de perder a disputa, por voto de desempate, na Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) - última instância do órgão. Não cabe mais recurso.
O caso envolve uma operação comum no mercado: a criação de uma nova empresa, do setor imobiliário, para a gestão e possível comercialização de imóveis. A decisão é importante, segundo advogados tributaristas, porque há poucas sobre o assunto na Justiça e seguidamente os contribuintes são derrotados no Carf.
De acordo com o processo, a Transpinho Madeiras constituiu uma nova empresa, a Saiqui Empreendimentos Imobiliários, e transferiu prédios e terrenos não utilizados em sua atividade fabril. Cerca de dois anos e meio depois, vendeu os bens, o que gerou uma economia de tributos.
Se os imóveis fossem vendidos diretamente pela Transpinho, que está no regime do lucro real, haveria tributação de até 34% de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre o ganho de capital. Por meio da nova empresa, no regime do lucro presumido, a tributação foi de 6,4 % sobre o valor de venda dos bens.
A Receita Federal autuou a madeireira por entender que a transferência dos imóveis para a nova empresa teria sido feita "sem propósito negocial" - simulada, dolosa (com intenção) ou fraudulenta. A fiscalização cobrava diferenças dos tributos, com multa qualificada de 150%.
O advogado que defende a Transpinho Madeiras e a Saiqui Empreendimentos Imobiliários, Gustavo Nygaard, sócio de TozziniFreire Advogados, afirma que o objetivo da nova empresa "era realmente diversificar a atividade". "Não era uma antessala do negócio, mas gerou, quando a operação foi feita, uma otimização e diminuição da carga tributária", diz.
Na Justiça, a madeireira obteve liminar para não ter que fazer depósito ou apresentar garantia, o que foi confirmado em segunda instância. Depois obteve sentença favorável, confirmada pela 2ª Turma do TRF (processo nº 500 9900-93.2017.4.04.7107).
Em seu voto, o relator, desembargador Rômulo Pizzolatti, afirma que não existe autorização legal para a Receita desconsiderar atos ou negócios jurídicos, sem que exista comprovação de ilicitude (dolo, fraude ou simulação).
Segundo a decisão, "havendo perfeita correspondência da substância dos operações com as formas adotadas para a sua realização, não é possível afirmar-se que os atos praticados tenham sido simulados, sendo indevida a ingerência da administração tributária na liberdade de iniciativa de que dispõe o contribuinte, garantida no artigo 170 da Constituição Federal, de reestruturar a exploração do seu capital da forma mais eficiente, inclusive sob a perspectiva fiscal."
Ainda segundo o acórdão, "diante de operações lícitas que venham sendo utilizadas pelos contribuintes como substitutas não tributadas, ou ainda menos onerosas, ou bem o legislador edita norma casuística proibindo o emprego desse expediente específico (ou ainda impedindo a economia pretendida), ou bem o Estado se conforma com o montante pago, não sendo aceitável que o Fisco, a pretexto de reparar o que parece uma injustiça fiscal aos seus olhos, desconsidere tal planejamento".
De acordo com Gustavo Nygaard, esse tipo de operação é comum, mas muitas empresas têm sido autuadas. O Fisco, acrescenta, entende não haver propósito negocial, o que geralmente é mantido pelo Carf. "O Judiciário, porém, tem um olhar diferente nessas discussões, que em geral têm valores expressivos. Não sendo operações simuladas, com dolo ou fraude, elas são consideradas legais, mesmo que tenham economia tributária", diz o advogado.
Nygaard assessora mais três casos semelhantes, pendentes de julgamento no Carf. Ele lembra que muitos contribuintes perderam casos de planejamento tributário no Conselho por voto de qualidade - desempate do presidente da turma julgadora. Em geral, afirma, os conselheiros entendem que a empresa criada por si só não tem substância, por ter os mesmos sócios, às vezes mesmos empregados, o que não justificaria sua abertura, com o único objetivo de reduzir tributos.
Agora, porém, diz Nygaard, a situação poderá mudar com o fim do voto de desempate. Ele afirma que essas decisões favoráveis aos contribuintes no Judiciário têm gerado altos honorários de sucumbência contra a Fazenda Pública. "Isso pode gerar uma necessidade de o Carf rever os critérios que adota", diz ele, acrescentando que "Isso pode gerar uma necessidade de o Carf rever os critérios que adota", diz ele, acrescentando que "nos últimos 15 anos houve um processo de demonização de todo e qualquer planejamento tributário".
O advogado Maurício Faro, do BMA Advogados, concorda que essas operações de planejamento tributário, até então consideradas lícitas, passaram a ser barradas no Carf sob o argumento de que as empresas criadas não tinham substância. "Só que a necessidade de substância não está em nenhuma lei", diz. "Por isso, as decisões favoráveis na Justiça."
Para o advogado Diego Miguita, do escritório Vaz, Buranello, Shingaki & Oioli, o Judiciário costuma examinar muito bem as provas apresentadas sobre a operação para verificar se há fraude, dolo ou simulação e definir se é legitima. A decisão do TRF da 4ª Região, acrescenta, "não é genérica a ponto de dizer que qualquer planejamento tributário será aserá aceito". "Deve ter uma salvaguarda de provas que comprovem sua legitimidade", diz. Segundo ele, existem poucas decisões judiciais sobre o tema.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.


Valor Econômico, Legislação, 06/mai