sexta-feira, 26 de junho de 2020

Saneamento pode abrir ciclo de investimentos


Uma prova de que no universo da política o óbvio nem sempre consegue unanimidade foi a demora para a aprovação final no Senado do projeto do novo marco para o setor de saneamento básico, em que o Brasil ostenta índices indigentes. Entre o início da tramitação na Câmara e a última votação, quarta-feira, passaram-se mais de dois anos.

E durante muito mais tempo governos e políticos conviveram com um quadro degradante no fornecimento de água de boa qualidade à população, coleta e tratamento de esgoto.

Enfim, a pressão de uma realidade em que quase metade da população do país, 104 milhões de pessoas, não está conectada à rede de esgoto, e 33 milhões não recebem água tratada levou a que fosse vencida a interdição do tema no Congresso - decretada por um bloqueio erguido por lobbies de empresas estatais do setor e respectivas corporações de servidores -, e terminasse sendo aprovado um projeto com importantes melhorias.

Um dos aspectos-chave do novo marco do saneamento é que empresas privadas poderão atuar na atividade por meio de licitações que o poder concedente, o município, terá de abrir para a contratação dos serviços.

Empresas particulares atendem apenas a 6% do mercado, tendo ficado o restante com companhias estaduais contratadas sem concorrência. Há casos em que não existe qualquer termo formal de entendimento assinado entre as partes, tampouco metas. Prefeitos podem prorrogar seus contratos com estatais por 30 anos. Porém, a empresa terá de investir com recursos próprios. E ainda precisará alcançar metas. É forte a indução às privatizações, a melhor maneira de se chegar ao objetivo de universalização do acesso a esses serviços até 2033.

As novas regras, que colocam a Agência Nacional de Águas (ANA) como ente de regulação da atividade, têm ainda uma sustentação no BNDES, com sua grande experiência em modelagens de projetos de privatização. O da Cedae, do Rio, um caso emblemático de ineficiência, está pronto.

É grande a capacidade de projetos no setor alavancarem investimentos, criando muitas vagas no mercado de trabalho, o que pode deflagrar um círculo virtuoso. A existência de inúmeros pequenos municípios não será empecilho para o novo marco retirar o Brasil dos últimos lugares nos rankings de saneamento, porque poderão ser formados blocos que combinem áreas de cidades maiores, mais atrativas às empresas, com regiões menos favoráveis, para que a rentabilidade do investimento seja garantida.

A modernização das regras na concessão de serviços de saneamento não só abre grande espaço para a retomada de investimentos em infraestrutura como deve ser aproveitada pelo governo para encaminhar reformas que ajudem a melhorar o ambiente de negócios em geral. A reforma tributária tem este sentido, o mesmo acontece com a administrativa, que busca melhorar a gestão no Estado, além de legislações ordinárias que vão na mesma direção.



O Globo, Editorial, 26/jun