quinta-feira, 12 de março de 2020

Despejos caem em NY após lei criada para proteger inquilinos


Em junho de 2019, Nova York aprovou série de regras para regular o mercado de aluguéis residenciais, para proteger inquilinos. Com 74 páginas, a lei dificultou o aumento dos valores cobrados e o despejo em caso de atraso e abriu caminho para que locatários tenham preferência para renovar contratos e ficar na mesma casa por anos.

Seis meses depois, enquanto o governo debate criar medidas adicionais, que englobariam imóveis comerciais, o número de despejos na cidade de Nova York caiu 18%.

Entre junho e outubro do ano passado, com a lei em vigor, houve 35 mil processos judiciais a menos para retirar inquilinos, na comparação com 2018, segundo levantamento do Wall Street Journal.

Os donos agora precisam esperar 14 dias de atraso no pagamento para levar o caso à Justiça. Antes, eram 72 horas.

Apesar da mudança na lei, o mercado segue aquecido na cidade de Nova York. O valor médio dos aluguéis subiu cerca de 5% ao longo de 2019, na comparação com o fim de 2018, segundo a consultoria imobiliária Douglas Elliman.

A prefeitura estipula quais serão os percentuais máximos de reajuste por tipo de imóvel. A última decisão limitou a 2,5% os aumentos para boa parte dos apartamentos, mas a regra não se aplica a todos.

As mudanças do ano passado afetam todos os contratos, mas não tratam dos percentuais de reajuste. A novidade foi que os donos precisam avisar a alteração com ao menos 30 dias de antecedência, o que dá mais tempo ao inquilino para contestar o valor.

As regras tentam conter a alta de preços das moradias, que acaba por elevar o número de moradores de rua.

Entidades que reúnem donos de apartamentos, porém, afirmam que as restrições vão piorar a crise a longo prazo, pois desestimulam os proprietários a colocar mais imóveis para alugar no mercado.

"As novas regras fazem pouco para resolver a falta de moradia acessível. As mudanças poderão reduzir o aumento dos aluguéis, mas não resultarão em mais unidades habitacionais", escreveu em artigo James Whelan, presidente do Rebny (Conselho do setor imobiliário de a cidade de NY).

Whelan estima que a cidade precisará de 400 mil novas casas nos próximos 20 anos, se a população crescer conforme as projeções. Em média, 2 em cada 3 moradores de Nova York vivem em casas alugadas.

Um estudo do Rebny reportou forte queda nas vendas de edifícios com aluguel residencial após as mudanças, pois investidores passaram a evitar esse tipo de negócio por receio de problemas com inquilinos.

A nova lei também permite que os moradores peçam ressarcimento de valores considerados exagerados nos últimos dez anos, mesmo que o dono agora seja outro.

Outra crítica dos gestores é que as medidas desestimulam a renovação dos imóveis, porque o gasto com as melhorias não pode ser repassado inteiramente aos inquilinos.

Já defensores das regras consideram que o direito à moradia deve prevalecer sobre a busca pelo lucro. Também argumentam que, quando os habitantes são forçados a se mudar, as cidades perdem aos poucos a sua identidade.

"As cidades [com aluguel regulado] funcionam muito melhor. Compare Londres e Paris com cidades latino-americanas, onde é vale tudo, e o mercado faz o que quer", comenta João Whitaker, secretário municipal de Habitação de São Paulo na gestão Haddad.

"No Brasil, as leis que não interessam ao mercado imobiliário não pegam."

Para Valter Caldana, professor de urbanismo do Mackenzie, as medidas são como um remédio, e cabe ao governo encontrar a dose exata. "Toda intervenção nos preços é muito delicada, que deve ser usada quando o problema chega a um nível insuportável."

Para ele, esse tipo de medida deve ser tomada por prazo curto e vir acompanhada de outras ações, como o investimento em locação social, como está sendo feito em Berlim.

O Legislativo estadual de Nova York, onde há maioria democrata, discute se aumenta a aposta na regulação.

Está em debate agora mudar as regras para aluguéis comerciais, para facilitar a vida de pequenos negócios. A cidade de Nova York enfrenta uma onda de pontos comerciais vazios em algumas áreas.

Uma proposta apresentada em novembro prevê que, caso não haja acordo sobre o valor do aumento entre inquilino e proprietário, o caso deve ser levado para arbitragem externa. 
Haveria também uma taxa de vacância a ser paga pelo dono, caso o local fique vago por longos períodos.

Em janeiro, foi apresentada uma proposta no Senado estadual para reforçar as regras residenciais e proibir aumentos acima de 3% ao ano (a menos que a inflação supere 2%). Atualmente, a limitação de aumento vale apenas para algumas categorias de moradias. Os despejos sem razão também seriam dificultados.

Enquanto seguem as discussões, proprietários e imobiliárias no estado de Nova York buscam brechas na lei, como juntar apartamentos para formar um maior e escapar das regras para imóveis menores.



Folha de São Paulo, Rafael Balago, 12/mar