terça-feira, 10 de março de 2020

Moradores de Ipanema e Leblon formalizam adoção do Jardim de Alah


O Jardim de Alah foi largado à própria sorte no fim das obras da Linha 4 do metrô, em 2016. O cenário é de abandono, mas há esperança: um grupo de moradores fechou uma parceria com a prefeitura para poder tocar a revitalização do espaço. O acordo de cooperação foi assinado com a RCZ Engenharia & Construções, que entrou no movimento e deve executar a reforma. O próximo passo será lançar o site "Jardim de Alah: cuidando do nosso jardim", com o crowdfunding para arrecadar recursos. A atriz Malu Mader integra a mobilização:

- O Rio chegou a um ponto de degradação tão terrível, de descaso total e absoluto, que os cidadãos querem saber agora o que podem fazer para mudar isso. Estou nessa como moradora de Ipanema e, principalmente, como moradora do Rio. Passei a vida inteira no Jardim de Alah, e sempre me perguntei como o local poderia ser mais bem aproveitado - diz Malu, que sonha com atividades culturais para moradores da Cruzada São Sebastião, como apresentações musicais e oficinas de teatro, além de esportes na quadra da área de lazer, que será reformada.

Gerente de projetos e moradora da região, Karin Mortin diz que a prefeitura continuará tendo obrigações em relação à conservação do Jardim de Alah. O que o grupo pretende é resgatá-lo da situação em que se encontra agora, recuperando o projeto tombado pelo município e ocupando o lugar com manifestações culturais:

- Nosso foco é a área em frente à Cruzada São Sebastião, entre a Rua Redentor e a Lagoa. Mas vamos fazer ações nos outros lados também. Queremos recuperar O Jardim de Alah de ponta a ponta - afirma Karin, acrescentando. - Vamos executar o projeto que é tombado e que previa caminhos de saibro e mais árvores do que a gente vê lá. O jardim também deveria ter trepadeiras e muitas flores, que subiram. Até as abelhas voltarão a visitar a área.
Abandono

A praça que fica em frente à Cruzada São Sebastião é a que se encontra em pior estado: sem capina, a grama cresceu e se espalhou por todo o terreno. Um portão está quebrado há meses, e montes de lixo são vistos por toda parte. Um detalhe curioso é que, perto dali, funciona uma base da Comlurb.

A companhia afirma que tem dificuldade para fazer a capina embaixo do viaduto onde aconteceu o crime porque o local "é usado regularmente por usuários de drogas e coloca em risco a integridade física dos garis". Na tarde desta segunda-feira, nenhum guarda municipal fazia ronda na área.

O espaço, inaugurado em 1938, é tombado pelo município. A única área bem cuidada é a do chamado Parcão, junto à Rua Prudente de Moraes, por causa da mobilização de dezenas de moradores, especialmente os donos de animais.

- É triste ver tanto abandono na divisa entre Ipanema e Leblon, num dos locais mais caros do país e onde se encontram pessoas com alto poder aquisitivo. Quem vem de fora e vê isso aqui desse jeito não acredita - lamenta o passeador de cães Expedito Pereira da Silva.

Engajada na luta por melhorias no Jardim de Alah, a aposentada Gladys Nunes é uma das cerca de 30 pessoas que, recentemente, fizeram contribuições para a compra de material destinado à manutenção do Parcão. O total arrecadado, quase R$ 3 mil, servirá para a aquisição de 14 galões de tinta verde e branca, que serão entregues à prefeitura. Caberá a equipes da Comnlurb pintar grades e bancos.

Na tarde desta segunda, três voluntários consertavam o gradil solto junto à passagem do canal. Em outros trechos do Jardim de Alah, essa proteção já se perdeu completamente.
Sobre a situação do Jardim de Alah, a Comlurb diz que, com exceção da área do viaduto da Humberto de Campos, faz varrição diária e capina mensal. Já a Guarda Municipal afirma que atua diariamente na região, com rondas em horários alternados. Em relação à presença de moradores de rua, a Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos informa que equipes "visitam diariamente o Jardim de Alah, oferecendo acolhimento".

De acordo com a Subsecretaria Municipal de Conservação, técnicos farão em breve uma vistoria no local para programar o conserto de equipamentos.

Casal é executado na área de lazer

Antes mesmo de o sol nascer, a violência marcou a segunda-feira em um trecho da Zona Sul que há tempos sofre com o abandono e a insegurança. Rajadas de tiros acordaram moradores de Ipanema e do Leblon por volta das 5h: um casal foi executado enquanto dormia sob o viaduto da Rua Humberto de Campos, no Jardim de Alah. Segundo legistas, Luiz Antônio de Paula Mendes e Sheila dos Santos levaram vários disparos no peito e no rosto. Policiais que apuram o caso disseram que, três meses atrás, os dois foram expulsos da Cruzada São Sebastião por traficantes. Os investigadores suspeitam que o crime está relacionado a uma venda de drogas na área de lazer.

Luiz Antônio e Sheila deixam dois filhos. Um deles, em estado de choque, ficou junto aos corpos até a chegada de um rabecão. "Mataram meus pais", repetia, emocionado. O cachorrinho do casal também permaneceu no local do crime até o fim do trabalho de remoção.

Moradores da região contaram que o casal era conhecido na vizinhança. Luiz Antônio costumava ser visto recolhendo latinhas e papelão nas redondezas.

- Ele catava latinhas e ainda ganhava uns trocados retirando entulho, com a ajuda da mulher - contou o copeiro Gilson Ribeiro.

Um vizinho do Jardim de Alah, que pediu para não ser identificado, disse que, apesar de ter se acostumado com os assaltos na área, não esperava que a violência descambasse para um duplo homicídio:

- Infelizmente, o Jardim de Alah sofre com o descaso das autoridades, o que abriu caminho para a ocorrência dessa tragédia.

A Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) informou que apura se uma dívida de Luiz Antônio com o tráfico de drogas da Cruzada São Sebastião está por trás do crime.



O Globo, Ludmilla de Lima e Rafael Nascimento de Souza, 10/mar