O Banco Central está monitorando o forte aumento das captações em caderneta de poupança e outras movimentações de aplicações financeiras para, se for preciso, tomar medidas para evitar o acúmulo de riscos à estabilidade financeira do país.
Neste ano, até julho, a caderneta de poupança registrou uma captação líquida de R$ 112,6 bilhões. Junto com os rendimentos creditados no período, o saldo dessa modalidade de investimento cresceu 15,2% no ano, chegando a R$ 973,7 bilhões.
Por enquanto, o Banco Central não identificou nenhum desequilíbrio preocupante que exija uma ação, mas está avaliando o impacto desse incremento de recursos na caderneta na estrutura de captação dos bancos e no direcionamento de recursos para financiamentos imobiliários.
"Hoje, não tem problema nenhum", disse há alguns dias o diretor de política monetária do Banco Central, Bruno Serra Fernandes. "Isso é algo que a gente precisa acompanhar no detalhe, a poupança tem os recursos direcionados para um setor específico." Pelas regras atuais, 65% dos depósitos em caderneta devem ser direcionados para financiamentos imobiliários.
Além das questões macroprudenciais, a forte captação de poupança tem implicações também para a política monetária. Na sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) cortou as taxas menos do que considerava necessário para evitar que os juros baixos acentuassem a migração de aplicação entre ativos, aumentando os riscos para a estabilidade financeira.
Dois aspectos merecem maior atenção, segundo um especialista de fora do governo. Primeiro, se o dinheiro captado na poupança é canalizado muito rapidamente para o crédito, a qualidade dos ativos imobiliários gerados poderá ser mais frágil. Segundo, pode agravar o descasamentos entre os prazos de captação na poupança e aplicação no crédito imobiliário. Esse descasamento sempre ocorre, já que a poupança tem liquidez diária e os financiamentos imobiliários são feitos com prazos mais longos. Ele pode se agravar se o surto de captação da caderneta for apenas temporário.
Entre as razões que levaram ao aumento das captações em caderneta estão alguns fatores que podem ser passageiros: o pagamento do auxílio emergencial pelo governo; o aumento da poupança precaucional da população durante o surto; a aversão a risco durante a crise; e a queda dos juros básicos, que tornou a poupança mais atrativa em relação aos fundos de investimento.
Alguns analistas econômicos têm argumentado que, para lidar com os riscos do aumento das cadernetas, o BC deveria reduzir - mesmo que temporariamente - o direcionamento de recursos para habitação.
Mas Serra, quando falou sobre o assunto, também apontou distorções do lado da estrutura de captação dos bancos e de fundos de investimento. De forma geral, eles estão ligados à remuneração pré-definida que os bancos devem pagar na poupança.
Boa parte dos recursos que entraram na caderneta veio dos fundos de renda fixa, que ficaram menos competitivos porque essa aplicação paga Imposto de Renda (IR) e seus gestores cobram taxas de administração. A caderneta é isenta de IR e oferece como remuneração 70% da taxa Selic, sem taxa de administração.
O diretor do BC destacou o papel que os fundos de investimento têm em "transformar a maturidade" no sistema financeiro. De um lado, captam recursos no curto prazo dos cotistas e, de outro, compram papéis de prazo mais longos dos bancos, como letras financeiras (LFs).
Serra diz que os bancos não têm instrumentos para administrar o fluxo de captações na caderneta, já que a sua remuneração é definida em lei e pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). É uma situação diferente dos CDBs, cuja captação eles podem dosar, oferecendo taxas mais atrativas quando querem levantar dinheiro para fazer mais empréstimo e taxas mais baixas quando não quer levantar dinheiro porque estão se retraindo na concessão de crédito.
Dentro do Banco Central, as avaliações sobre a estabilidade financeira são feitas de forma separada da política monetária. No caso, elas são tomadas no Comitê de Estabilidade Financeira (Comef). Mas acabam tendo implicações para as decisões do Copom porque, se atenuam o risco de instabilidade financeira, em tese removem limites para eventuais cortes na taxa Selic que se façam necessários no futuro.