O governo federal editou, em 16 de julho, medida provisória que introduz alterações ao regime jurídico da alienação fiduciária de bens imóveis em garantia, regida pela Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, dispondo expressamente sobre a possibilidade de compartilhamento desta garantia entre dívidas diferentes.
Embora a intenção do Poder Executivo Federal fosse ampliar a possibilidade de utilização de bens imóveis como garantia de empréstimos e financiamentos, especialmente incentivando a realização de operações de empréstimo na modalidade home equity, a Medida Provisória nº 992/20 acaba por criar severas limitações à possibilidade de utilização do imóvel como garantia de dívidas contraídas dentro e fora do Sistema Financeiro Nacional.
Isto decorre do fato de que, até a edição da Medida Provisória em análise, inexistia qualquer previsão legal que impedisse ou limitasse compartilhamento que a nova regra supostamente intenta permitir. Ou seja: ao permitir algo que não era proibido, a medida provisória em comento passou a restringir negócios jurídicos que já eram possíveis por ausência de vedação legal.
Em primeiro lugar, a nova regra dispõe que o compartilhamento de alienação fiduciária de imóvel somente pode ser contratado no âmbito do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Com isso, por exclusão, fica vedado o compartilhamento caso a dívida garantida tenha sido contraída fora do SFN.
Isto limita de modo sensível a realização de reestruturações de operações de dívidas celebradas no mercado de capitais, por exemplo. Nesta seara, o mecanismo do compartilhamento de garantia fiduciária sobre imóvel é utilizado de modo habitual, em vista da inexistência de vedação legal a tanto - até a edição da Medida Provisória nº 992/20.
Também ficam afetadas garantias de quaisquer outras transações de, por exemplo, natureza comercial, que tenham sido contratadas fora do SFN.
Além disso, mesmo no âmbito do mercado financeiro, o dispositivo cria outras limitações relevantes. Em primeiro lugar, fica proibido que a alienação fiduciária sobre o imóvel seja compartilhada em garantia de dívidas junto a instituições financeiras diferentes.
Ou seja: o mutuário somente poderá celebrar a nova operação de crédito com garantia no imóvel já onerado com o mesmo credor que já possui o bem em garantia.
Seria positivo permitir que o compartilhamento fosse contratado para dívidas contraídas com instituições diferentes - inclusive Empresas Simples de Crédito e fintechs, embora as primeiras não sejam instituições financeiras - como forma de aumentar o acesso ao crédito e incentivar a competição neste setor.
Outra restrição decorre da exigência de que o fiduciante pessoa natural contrate o compartilhamento em benefício próprio ou de sua entidade familiar, o que, em outras palavras, veda a possibilidade de constituição de garantia fiduciária compartilhada em favor de terceiros.
Deste modo, fica proibida, por exemplo, a constituição de nova garantia, em regime de compartilhamento, pactuada por sócio pessoa física à sociedade que integre, outra prática corrente nos mercados financeiro e de capitais brasileiro.
Em sentido positivo, frisa-se o afastamento da regra que determina a extinção da dívida garantida com o segundo leilão infrutífero do objeto da garantia e sua respectiva adjudicação definitiva ao credor fiduciário em caso de caso de compartilhamento de garantia fiduciária imobiliária.
Este afastamento somente não se aplicaria em caso de dívidas contraídas em decorrência de financiamento imobiliário habitacional contratado por pessoa natural.
Esta previsão reforça a mais adequada interpretação da regra contida no parágrafo 5º do artigo 27 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, acima referida, no sentido de considerá-la passível de afastamento entre as partes contratantes, exceto quando a contratação da garantia fiduciária se der no âmbito de financiamento de natureza habitacional.
Com efeito, a interpretação meramente literal do dispositivo referido acima, especialmente nos casos em que existe a pactuação de alienação fiduciária sobre diversos imóveis com valor individualmente inferior àquele da dívida garantida, leva à consequência de enriquecimento sem causa do devedor, o que é repelido pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Ainda, são bem-vindas as disposições a respeito do vencimento antecipado cruzado entre as dívidas garantias e ausência de obrigação de liquidação antecipada de todas as dívidas garantidas caso o mutuário opte pelo adimplemento prévio à data de vencimento de qualquer delas.
Espera-se que, no curso da tramitação da Medida Provisória nº 992/20, o legislador tenha a sensibilidade de eliminar as distorções acima apontadas, de modo a permitir a adequada evolução da alienação fiduciária de bens imóveis em garantia, mecanismo já consagrado e amplamente difundido.