Tributos federais sobre diesel e gás de cozinha já foram zerados, e Congresso aprovou zerar impostos sobre gasolina e álcool. BC já prevê inflação acima do centro da meta em 2023.
Economistas ouvidos pelo G1 afirmam que as medidas do governo federal e do Congresso Nacional para zerar impostos e tributos federais sobre combustíveis até o fim deste ano podem até conter a inflação em 2022, mas devem pressionar os preços em 2023.
Em março, por exemplo, o Congresso aprovou — e Bolsonaro sancionou — a lei que zerou até o fim deste ano os tributos federais sobre diesel e gás de cozinha.
Além disso, também foi sancionada a lei que limita o ICMS, um imposto estadual, sobre vários itens, entre os quais combustíveis. O texto zera, neste ano, os impostos federais sobre gasolina, álcool e Gás Natural Veicular (CNV). Em todos os casos, os impostos voltam a subir em 2023.
O Conselho Monetário Nacional (CMN) já definiu que a meta de inflação para 2023 é de 3,25%. A meta será considerada cumprida se oscilar de 1,75% a 4,75%.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, porém, admitiu na semana passada que a inflação em 2023 vai ficar acima do centro da meta, isto é, acima de 3,25%, mas acrescentou que a instituição adotará medidas para tentar deixar a inflação abaixo de 4%.
O Brasil estourou o teto da meta de inflação em 2021, e o Banco Central já prevê estourar o teto da meta de novo em 2022. Isso porque a meta central é de 3,5% e será considerada cumprida se oscilar entre 2% e 5%. Porém, a projeção do próprio Banco Central é que fique em 8,8%.
Pressão 'continuará existindo'
A Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, diz que as medidas podem reduzir a inflação em 2022 em 2,8 pontos percentuais, passando de 8,6% para 5,8%. No entanto, ainda na avaliação da IFI, a pressão sobre os preços 'continuará existindo'.
Por esse cenário, calcula o órgão, a inflação em 2023 possa chegar a 5,2%, isto é, acima do teto da meta pelo terceiro ano consecutivo.
"Os projetos não garantem [queda dos preços], pois a pressão continuará existindo", declarou Daniel Couri, diretor-executivo interino da IFI, lembrando que, desde 2016, no governo Michel Temer (MDB), a Petrobras segue o critério de preços internacionais.
Na mesma linha, Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, diz que zerar tributos sobre combustíveis pode gerar "alívio" na inflação no curto prazo, mas a partir de janeiro de 2023 os preços voltarão a subir.
"No médio prazo, essa medida tem impactos diretos sobre a inflação. Como o projeto se encerra em dezembro de 2022, em janeiro de 2023, os preços dos combustíveis voltarão a subir. Com a perda de arrecadação e compensação aos estados, o cenário fiscal tende a se deteriorar", avaliou.
Para Sung, ainda é "muito cedo" para dizer que a inflação ficará acima do teto da meta em 2023, mas que haverá, sim, a "transferência" da inflação deste ano para o próximo.
"E essa transferência da inflação de 2022 para 2023 é um fator extra que gera instabilidade", acrescentou.
Impacto na inflação em 2023
Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do banco Alfa, afirma que o projeto aprovado pelo Congresso pode reduzir a inflação em 1,5 ponto percentual em 2022, caindo de 8,5% para 7%, mas gerando alta de 0,4 ponto percentual em 2023, subindo, então, de 4,2% para 4,6%.
O analista avaliou que não dá pra dizer, ainda, que o teto não será ultrapassado em 2023.
"Acho que a trégua maior vem dos bens industriais. Os gargalos não sejam resolvidos nos próximos meses, pelo menos serão minimizados e, mais importante, o crescimento mundial vai desacelerar forte com os principais BCs subindo os juros", declarou.
O que diz o Banco Central
De acordo com a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central informou que estima inflação de 4% para 2023.
Considerado a tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos, se ficar em 4%, a inflação, definida em 3,25%, será considerada cumprida no ano que vem.
Questionado pelo G1, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que a instituição ainda não divulgou um cálculo preciso do impacto das medidas tributárias, no próximo ano, pois foram aprovadas recentemente pelo Congresso.
Mesmo assim, o BC informou que busca uma inflação abaixo de 4% no próximo ano. Por conta disso, anunciou que será necessário elevar mais os juros, e, também, mantê-los altos por mais tempo.
"Nossa estratégia não foi uma resposta em relação às medidas [tributárias]. Analisamos o cenário, a expectativa de inflação, as surpresas e as dinâmicas [inflacionárias] de curto e médio prazos. O combinado do que foi feito [elevação da Selic e indicação de juros altos por mais tempo] não é uma resposta a um fator ou outro", declarou Campos Neto.
Inflação e eleições
A contenção de preços de combustíveis em ano eleitoral já aconteceu em 2014, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) disputou a reeleição e venceu a disputa.
Naquele ano, a inflação foi de 6,41%, mas, em 2015, após os preços terem sido liberados, subiu para 10,67%, maior patamar em 13 anos.
O presidente Jair Bolsonaro (PL), pré-candidato à reeleição, também tem pressionado a empresa a não reajustar preços dos combustíveis até a eleição de outubro, como mostrou a colunista do G1 Ana Flor.
Bolsonaro também criticado a empresa, afirmando que a Petrobras "não colabora com nada". Ele também classificou o lucro registrado pela estatal como um "estupro".
No fim de maio, Bolsonaro anunciou nova troca no comando da Petrobras, terceira substituição desde 2019 e a segunda nos últimos 40 dias.
Recentemente, o ex-presidente Lula, pré-candidato do PT à Presidência, afirmou que a proposta do governo Jair Bolsonaro de reduzir o ICMS de combustíveis não vai diminuir o preço para os consumidores.
Disse ainda que Bolsonaro deveria ter "coragem" para determinar que a Petrobras pare de repassar a alta internacional dos preços para os consumidores.
Alexandro Martello, G1, 28/jun