quarta-feira, 18 de março de 2015

Negócios urbanísticos


Para aumentar sua capacidade de investimento, a prefeitura do Rio, que estaria enfrentando uma queda na arrecadação, resolveu tomar medidas para turbinar os cofres públicos. Ontem, o Poder Executivo enviou para a Câmara de Vereadores um pacote de medidas para garantir o aporte de recursos. Uma delas promete, além de mudar parâmetros urbanísticos da cidade, provocar muita polêmica. No projeto que dispõe sobre o direito à superfície, a prefeitura vai permitir, mediante pagamento, uma série de mudanças no uso do espaço aéreo e do subsolo do município. Isso significa que um condomínio que quiser ligar diversos prédios por passarelas, por exemplo, não encontrará empecilhos. Também será possível construir ao longo de logradouros públicos: um centro comercial, sobre pilotis, tem tudo para fazer parte da paisagem dos corredores dos BRTs espalhados pela cidade. Fachadas de prédios poderão ser alteradas e ganhar janelas; e até o subsolo de praças públicas pode virar estacionamento de prédios vizinhos.

- Pode, por exemplo, ser feita a "fenestração": um prédio voltado para uma rua, com parede cega para outra, poderá, se desejar e pagar ao município, abrir janelas para outro logradouro. São muitas mudanças, mas serão sempre avaliados os parâmetros urbanísticos de cada área, não vai poder qualquer coisa - garante Jorge Arraes, secretário de Concessões e Parcerias Público-Privadas do município.

Projeto enviado em regime de urgência 

Jorge não esconde que o projeto de lei, além de mudar a dinâmica da arquitetura e do urbanismo da cidade, vai dar um alívio à arrecadação:

- É um planejamento para o ano de 2015, que não vai ser economicamente fácil. A ideia é arrecadar para não diminuir investimentos, nem prejudicar a qualidade dos serviços.

A proposta, que foi enviada à Câmara em regime de urgência, já provoca polêmica antes mesmo de ir a plenário. A vereadora Teresa Bergher (PSDB) diz que o projeto - segundo o qual todas as mudanças serão permitidas pelo prazo de 99 anos - precisa ser mais bem detalhado.

- O que o projeto significa? Poderão construir um shopping em cima de uma estação do BRT? A prefeitura não pode simplesmente mandar um projeto desses sem ter uma audiência pública, sem discutir as alterações urbanísticas. Vão fazer puxadinhos pela cidade? Vamos dar carta branca sem que detalhem esse projeto?

O arquiteto Luiz Fernando Donato Janot, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) do Rio de Janeiro, disse que a proposta de aplicação do direito de superfície se baseia no Estatuto da Cidade, mais simples do que o projeto de lei.

- Por seu caráter genérico e abrangente, o projeto possibilita inúmeras hipóteses de intervenções urbanas na cidade, seja para o bem ou para o mal. Compete à sociedade e às autoridades competentes avaliarem, caso a caso e especificamente, cada forma de aplicação dessa proposta e o seu respectivo impacto. O projeto oferece uma espécie de "cheque em branco" para as mais variadas iniciativas por parte do Executivo.

O arquiteto Pedro Luz Moreira, professor da UFF e presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil do Rio (IAB-RJ), também chamou a atenção para a abrangência do projeto e perguntou o que poderá estar por trás da iniciativa da prefeitura do Rio.

- Um terreno público poderá ser cedido à iniciativa privada para ser explorado por até 99 anos. Pode ser uma boa iniciativa por um lado e muito nefasta por outro. Principalmente se não houver transparência e se for escondido aquilo que o investidor privado terá direito de fazer no terreno público - afirmou Pedro Luz.

Segundo ele, o projeto parece num primeiro momento querer agilizar a negociação imobiliária, concedendo amplos direitos de uso do espaço público.

- Serão negócios em que a transparência será fundamental. É uma boa lei, ampla, desde que seja acompanhada de um esforço para manter o negócio transparente, passando por audiências públicas e muita discussão - afirmou o presidente do IAB-RJ.

Venda de terrenos para fazer caixa

Outra solução encontrada pelo prefeito Eduardo Paes para fazer caixa foi vender oito terrenos em áreas nobres da cidade, como Botafogo e Barra da Tijuca. A expectativa é que eles rendam ao município R$ 80 milhões. Outro projeto de lei, também enviado em regime de urgência, institui o programa Concilia Rio, que propõe audiências de conciliação, junto do Poder Judiciário, para os contribuintes que estiverem inscritos na Dívida Ativa. A ideia é incentivar quem deve (desde ISS até IPTU e Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis) a regularizar logo a situação: quem pagar à vista poderá ganhar uma redução de 60% dos juros cobrados. Quem parcelar em até seis vezes terá redução de 40% nos encargos. Também será possível dividir a dívida por 24 meses, conseguindo desconto de 10% nos juros.

- Existe a intenção da prefeitura de aumentar a capacidade de investimento. O orçamento de 2015 é de quase R$ 30 bilhões, mas qualquer esforço de arrecadação é bem-vindo porque há vários projetos em andamento - diz o superintendente de Patrimônio Imobiliário do município, Fabrício Tanure.

Queda na arrecadação 

Os imóveis que estão sendo alienados poderão ser comprados à vista ou em até 48 vezes. Outra opção dada pela prefeitura é fazer a concessão de uso com opção de compra.

- Nem todos os 19 imóveis do ano passado foram vendidos, mas, mesmo assim, arrecadamos quase R$ 200 milhões - diz Tanure, que garante que não é a prefeitura que sai ganhando com a arrecadação, mas a cidade. - Tudo o que é arrecadado é revertido para áreas sociais. Estamos levantando nosso acervo, que acredito que seja de 500 a 800 imóveis.

Segundo a vereadora Teresa Bergher, nos dois primeiros meses de 2015, houve uma queda de 12% na arrecadação, em relação ao mesmo período do ano anterior, passando de R$ 4.727.887.752 para R$ 4.173.232.807. O cálculo foi feito com base no relatório de arrecadação da prefeitura emitido pelo Fincon, que é o sistema de controle contratual e de demonstrações contábeis do município, disponibilizado na Câmara para fiscalização. De acordo com Teresa, as receitas tributárias tiveram queda de 20%, passando de R$ 2,3 bilhão, no primeiro bimestre do ano passado, para R$ 1,9 bilhão, no mesmo período de 2015. Isso significaria menos R$ 461 milhões nos cofres. A maior redução (de 40%) teria sido na arrecadação de ISS, segundo a vereadora.

A prefeitura não informou os dados de arrecadação do primeiro bimestre, apenas o anual. Segundo a Secretaria municipal de Fazenda, em 2013, a arrecadação foi de R$ 21,74 bilhões e, no ano passado, de R$ 23,97 bilhões. A previsão para 2015 é otimista: R$ 30,18 bilhões.



O Globo, 17/mar