segunda-feira, 2 de março de 2015

O Eldorado carioca


A cidade que nasceu à beira das águas da Guanabara acompanha hoje, no ritmo frenético de operários, escavadeiras e guindastes, a conquista da sua porção mais a oeste. A oferta de terrenos, a proximidade com o mar e os preços mais atraentes que na Zona Sul seduzem investidores e moradores de outras regiões, que não param de empurrar o crescimento do Rio para além do Túnel do Joá. A Barra virou a menina dos olhos do mercado imobiliário no começo dos anos 80. Desde então, a região assistiu ao milagre da multiplicação de tapumes. Só nos últimos 14 anos, 131.035 novas unidades (residenciais, comerciais e hoteleiras) foram lançadas na Zona Oeste, número 136% superior ao de todas as outras regiões da cidade somadas, como mostram dados da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Rio (Ademi).

A população deu um salto na mesma velocidade. Enquanto o número de habitantes da cidade aumentou 7,9% em uma década - entre os censos do IBGE de 2000 e 2010 -, a região da Barra (que inclui ainda bairros como Recreio, Itanhangá e Vargem Grande) viu a quantidade de moradores crescer 72,54%, o maior percentual registrado no Rio. Se 174 mil pessoas moravam nessa área da Zona Oeste em 2000, dez anos depois já eram mais 300 mil. E o boom não tem prazo para acabar.

- O vetor de crescimento da região está agora voltado para o Recreio. A cidade sempre cresce em direção ao mar. Historicamente, os moradores do Rio gostam de viver perto da praia. E o Recreio concentra grandes terrenos. A Barra não se esgotou, mas as oportunidades se reduziram. Em algum momento, esse vetor seguirá para Vargem Grande e, depois, Guaratiba - aposta o presidente da Ademi, João Paulo Rio Tinto de Matos.

O casal de professores Herly e Délio Freire comprou seu primeiro apartamento na região, ainda na planta, em 1978, no condomínio Pontões da Barra. No bairro, lembra Herly, "não havia quase nada". As ruas internas não tinham calçamento e, para quem cresceu já no "Barra way of life", é difícil imaginar o bairro sem o BarraShopping, que só seria aberto três anos depois. Os dois moravam num apartamento amplo em Copacabana e viram ali um bom investimento e a possibilidade de, futuramente, na aposentadoria, viver num lugar calmo, mas também próximo da praia. Apenas em 1995 o casal trocaria a Zona Sul pela região, mas se mudando para o Recreio.

- Vendi meu apartamento em Copacabana e poderia ter comprado três na Barra. Mas acho que tive visão e decidi comprar um no Recreio. Paguei R$ 78 mil e hoje ele vale R$ 780 mil. Com o meu apartamento da Barra não houve a mesma valorização - conta Herly, hoje com 78 anos, que se derrete de amores pelo Recreio, apesar de temer os mesmos problemas da Zona Sul (como o risco de assaltos) e de ter perdido a vista do mar (o casal mora na Rua Presidente Nereu Ramos, paralela à praia) por causa da construção de um hotel. - O Recreio é a praia mais linda do Rio, não tenha dúvida. E o hotel só valoriza ainda mais o lugar.

PRIMEIRO CONDOMÍNIO EM 1977

A Barra e o Recreio estão no foco da expansão hoteleira da cidade, puxada pelos grandes eventos. O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Rio (Abih-RJ), Alfredo Lopes, diz que, dos 14 mil quartos a serem abertos este ano na cidade, a maioria esmagadora - 10,5 mil - fica nesses dois bairros. Os investimentos incluem empreendimentos de luxo, como Hilton e Grand Hyatt.

O primeiro condomínio da região da Barra foi o Nova Ipanema. Ele ficou pronto em 1977 e inaugurou um dos estilos de vida mais desejados da cidade - numa área protegida por cancelas e com amplas áreas de lazer e espaços verdes.

O arquiteto e urbanista Hugo Hamann, que trabalhou na Superintendência de Desenvolvimento da Barra da Tijuca (Sudebar), responsável pela aplicação do Plano Lucio Costa, conta como o processo de crescimento se deslocou para o bairro,

- O Rio teve dois grandes vetores de expansão ao longo do tempo. O primeiro deles em direção à Zona Norte, a partir do Maracanã e da Tijuca. O segundo em direção à Zona Sul, a partir da Glória e do Flamengo. A classe média descobriu Copacabana nas décadas de 40 e 50. Ipanema teve seu boom nos anos 60 e, na década seguinte, foi a vez do Leblon. Nessa vertente para a Zona Sul, chegou um momento em que a expansão natural passou a ser em direção à Barra da Tijuca. Em 1969, o arquiteto Lucio Costa começou a trabalhar num plano piloto para essa região. O trabalho foi chamado de Plano Diretor da Baixada de Jacarepaguá e incluía Barra, Recreio, Vargem Grande, Vargem Pequena e Taquara.

O plano previa a abertura de várias vias de integração. Entre elas estavam as vias 1 (Avenida Lucio Costa), 3 (das Américas), 4 (Via Parque) e 9 (Benvindo de Novaes) - cujos conceitos têm sido implementados até hoje -, núcleos urbanizados cercados por residências, campo de golfe, museu, uma orla hoteleira, bosques e uma zona agrícola.

Lucio Costa ainda vislumbrou o Centro Metropolitano da Guanabara, que, mesmo com outros contornos, ganha forma numa área de cinco quilômetros, de frente para a Avenida Embaixador Abelardo Bueno. No local, começam a aparecer os primeiros projetos, todos privados, como o do Shopping Metropolitano, já em funcionamento, e o do Hotel Hilton, com oito andares, em obras.

- A proposta não era criar um novo Centro, mas trabalhar com um conceito de que os bairros também podem ser autossuficientes em serviços. Curiosamente, o Centro Metropolitano fica no cento geográfico do Rio. Seus extremos são a Praça Quinze e a Zona Industrial de Santa Cruz - afirma Hamann.

UM NOVO 'CENTRO' PARA A CIDADE

Quando foi concebido por Lucio Costa, o Centro Metropolitano previa a ocupação, pela sede da prefeitura ou de um complemento dela, de uma área desapropriada. Hoje, é esperada a instalação de complexos residenciais, unidades comerciais e empresas. O velho conceito de ali se formar uma nova centralidade da cidade, no entanto, é revivido no rastro da transformação radical pela qual passa a região das avenidas Salvador Allende e Embaixador Abelardo Bueno.

Ali estão sendo erguidos o Parque Olímpico e a Vila dos Atletas, instalações para os Jogos que seguem em paralelo a investimentos em infraestrutura. Operários trabalham para entregar, antes dos Jogos de 2016, as duas avenidas ampliadas e com novas calçadas e ciclovia, que interligará a área até a praia. A obra que aumentará a capacidade de tráfego nas duas vias permitirá ainda a passagem do BRT Transolímpico na Salvador Allende, com uma integração com o Transcarioca na altura da Abelardo Bueno.

- Essa área da Abelardo Bueno tem potencial para a instalação de empresas, consultórios e escritórios. A tendência é se formar aqui uma nova centralidade depois das Olimpíadas. Numa cidade grande como o Rio, não cabe mais as pessoas se deslocarem para um único ponto. As pessoas entenderão que o deslocamento a pé, de bicicleta ou de BRT, de casa para o trabalho, é sinônimo de qualidade de vida - diz Mauricio Cruz Lopes, diretor da obra da Vila dos Atletas, onde 31 torres serão, após as Olimpíadas, ocupadas por cerca de 15 mil moradores, uma população maior que a do Leme, por exemplo.



O Globo, Especial Rio 450 anos, 01/mar