Os juros em queda, a melhora dos indicadores econômicos, a elevada liquidez global e a avaliação de que, com a prisão de Joesley Batista, o presidente Michel Temer terá mais força para aprovar as reformas levaram o Ibovespa a atingir ontem a sua máxima histórica, renovando o recorde que já durava mais de nove anos. O principal índice da B3 (antiga BM&FBovespa) fechou em alta de 1,69%, aos 74.319 pontos, o maior desde sua criação, em 1968. E, embora o Ibovespa já acumule valorização de 23,4% no ano, especialistas veem chance de novos ganhos e recordes para a Bolsa a curto prazo.
A prisão de Joesley, segundo analistas, reduz as chances de uma nova denúncia contra Temer e deixa o governo mais fortalecido. "Os mercados que já haviam relegado uma segunda denúncia a segundo plano e esperam que o episódio seja resolvido o mais breve possível para permitir ao governo avançar na agenda das reformas. Nesse contexto, tudo indica que os ativos continuarão reagindo positivamente aos fatos, que neste momento são positivos para o Planalto", avaliou, em relatório, Ricardo Gomes da Silva, superintendente da Correparti Corretora de Câmbio.
Luis Gustavo Pereira, estrategista da Guide Investimentos, atribui o otimismo dos investidores a uma combinação entre cenário político e indicadores econômicos acima das expectativas - o Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, divulgado na quarta-feira passada, subiu 0,2%.
- Os acontecimentos da última semana (a reviravolta na delação dos executivos da JBS) foram interpretados pelo mercado como um fortalecimento do governo, o que, de certa forma, fortalece o andamento das reformas econômicas - disse Pereira, ressaltando que as reformas e o ajuste fiscal são importantes para que o país alcance um crescimento sustentável.
Parte desse otimismo se deve ainda ao fato de que, após dois anos de forte recessão, as empresas conseguirão crescer sem fazer grandes investimentos num primeiro momento e, a cada nova venda ou cliente conquistado, terão uma melhora automática em suas margens de ganho. Isso significa que será mais fácil elevar os lucros, daí a alta das ações. Além disso, os juros mais baixos - a Taxa Selic está em 8,25%, o menor patamar desde julho de 2013 - reduzem os gastos das companhias com suas dívidas e atraem mais investidores para o mercado de renda variável.
Segundo João Braga, gestor de renda variável da XP Gestão, a perspectiva de lucro maior das empresas ainda não está completamente embutida nos preços das ações:
- A utilização da capacidade instalada do Brasil está baixa. As empresas estão com os custos fixos já pagos. Se fizermos uma analogia com um avião, o Brasil hoje é uma aeronave vazia, e o crescimento do PIB são os novos passageiros. Vai ser possível crescer sem ter que contratar e investir de imediato. Isso afeta o lucro das empresas.
'O ÍNDICE TIROU O ATRASO'
O recorde anterior do Ibovespa havia sido em 20 de maio de 2008, quando encerrou aos 73.516 pontos. Isso ocorreu algumas semanas depois de o Brasil receber o seu primeiro selo de grau de investimento pelas agências de classificação de risco. Ontem, também foi batido o recorde de pontuação no intraday, que é o máximo que o índice atinge durante o horário de negociação. Na máxima, o Ibovespa atingiu 74.635 pontos, acima dos 73.920 pontos do recorde anterior, de 29 de maio de 2008.
Hoje, o Brasil não faz mais parte desse seleto clube, mas analistas e economistas acreditam que o país está entrando em um novo ciclo de crescimento. O Ibovespa tende a ganhar mais força à medida que esses sinais de retomada se consolidem. A aprovação de reformas e um cenário eleitoral favorável - candidatos que sejam favoráveis a privatizações, controle de gastos públicos e menor intervenção do Estado na economia - podem dar um novo gás ao mercado acionário brasileiro.
- O índice tirou o atraso e chegou a um novo recorde, mas agora vai precisar de novas informações para continuar esse movimento de alta. Se sair a reforma da Previdência ou se houver o entendimento de que há candidatos pró-mercado com chances reais para 2018, o índice tem chances de ir bem mais para cima - afirmou Fernando Araújo, gestor da FCL Capital. Entre os papéis que se beneficiaram ontem dessa visão mais otimista estavam os da Petrobras. As ações preferenciais (PN, sem direito a voto) subiram 1,90%, a R$ 14,99, enquanto as ordinárias (ON, com voto) avançaram 2,17%, a R$ 15,52.
No caso da Vale, a alta foi de 1% nos papéis PN e de 1,76% nos ON. Os bancos, de maior peso na composição do Ibovespa, também subiram com força. As ações PN do Itaú Unibanco e do Bradesco avançaram, respectivamente, 1,68% e 3,85%.
Na outra ponta, os papéis da JBS encerraram em queda de 0,73%, a R$ 8,13, o pior desempenho do Ibovespa. Ontem, a processadora de carne de frango americana Pilgrim's Pride informou ter comprado a Moy Park por US$ 1,3 bilhão. Ambas são controladas por subsidiárias da JBS. A suspensão do acordo de leniência da J&F, controladora da JBS, foi anunciada após o fechamento dos mercados.
Além de fatores internos, como a ascensão de um candidato populista em 2018, poderia atrapalhar a trajetória do Ibovespa uma mudança do cenário global, em que todas as grandes economias entrem em processo de recuperação e elevem suas taxas básicas de juros. Ganhos melhores em países considerados seguros atrairiam os investidores, que retirariam seus recursos das economias emergentes. No entanto, no momento, esse cenário é visto como menos provável.
O maior apetite ao risco global deu fôlego para o novo recorde do Ibovespa e de outras Bolsas de países emergentes. Já entre os principais índices globais, o Dow Jones fechou em alta de 1,19%, e o S&P 500 subiu 1,08%, chegando aos 2.488 pontos, um novo patamar recorde.
Outro fator que corrobora o otimismo dos investidores é o fato de que, em dólar, o índice ainda está longe da sua máxima histórica. Em dólar, o índice está em pouco mais de 24 mil pontos - no recorde de 2008, superou os 44 mil. Ou seja, os investidores estrangeiros ainda estão à procura de oportunidades de ganho.
Braga, da XP, lembra ainda que, apesar de as empresas terem apresentado resultados melhores no primeiro semestre, os analistas ainda não revisaram suas projeções para os lucros corporativos. Quando isso acontecer, a cotação desses papéis tende a subir, já que eles ficarão "baratos" em relação ao seu potencial de ganho.
- Eu gosto das ações de empresas defensivas que pagam bons dividendos. Esse tipo de ação vai andar muito porque, com o juro baixo, os investidores vão procurar uma renda. Há também o grupo das empresas de consumo, que vão subir com a melhora da economia - explicou Braga.
DÓLAR TEM ALTA DE 0,32%, A R$ 3,105
Já o dólar comercial encerrou ontem em alta de 0,32%, cotado a R$ 3,105. A moeda até iniciou o pregão em alta e, na mínima, chegou a ser negociada a R$ 3,08. Mas depois passou a acompanhar o movimento global do dólar, que se fortaleceu. O Dollar Index, apurado pela Bloomberg, que mede o comportamento da divisa americana frente a uma cesta de dez moedas, registrava alta de 0,65% próximo ao horário de encerramento dos negócios no Brasil. Isso se deveu a uma maior confiança em relação à economia americana. O furacão Irma foi mais fraco que o esperado, e o temor de um conflito com a Coreia do Norte perdeu força.
- O menor efeito do furacão sobre a economia indica que pode haver maior atividade e, com isso, juros mais altos nos Estados Unidos. Isso fortalece o dólar ante outras moedas - explicou Bernard Gonin, gestor de renda fixa da Rio Gestão de Recursos.
Na sexta-feira, a probabilidade de um aumento dos juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) na reunião de dezembro era de 31%. Ontem, essa probabilidade, segundo o Fed Watch do CME Group, era de 41,1%.
Gonin lembra ainda que, sempre que o dólar fica abaixo de R$ 3,10, há o receio de uma intervenção por parte do Banco Central. Na última vez em que isso ocorreu, o BC deixou de rolar integralmente os contratos de swap cambial, que equivalem a uma venda de moeda no futuro. Enquanto a decisão sobre os vencimentos de outubro não é anunciada, os investidores optam pela cautela em relação ao câmbio.