segunda-feira, 11 de junho de 2018

Nasce uma nova Barra


O ano é 1969. Depois do sucesso de Brasília, Lúcio Costa é chamado pelo governador Negrão de Lima para preparar um plano-piloto para a inóspita região da Barra e Baixada de Jacarepaguá. Um dos destaques do projeto é o Centro Metropolitano, vislumbrado pelo arquiteto e urbanista como o local para a instalação da prefeitura, levando a administração para a nova região.

Quase 50 anos depois, o terreno de quase cinco quilômetros quadrados da Avenida Abelardo Bueno - que corresponde a cerca de 10% da Barra - está nas mãos de grupos imobiliários privados, que tocam projetos isoladamente, como shoppings, torres comerciais e hotéis. O segundo residencial da área ganha o habite-se em julho. Trata-se do condomínio Soho, um complexo de 92 mil m² composto por dois edifícios, com unidades de 63m² a 205m², de um a quatro quartos, com preços a partir de R$ 500 mil.

Além do Soho, a Tegra incorporadora - detentora de um quarto da área total da região do Centro Metropolitano - tem outros dois corporativos e um mix use (residencial e comercial), que oferecem o conceito de "urbanidade" (morar, trabalhar e conviver no mesmo lugar). No momento, das duas mil unidades residenciais, há um estoque de 300 apartamentos. O metro quadrado gira em torno de R$ 8 mil.

- O Centro Metropolitano virou verdade. O plano de Lúcio Costa não aconteceu porque o modelo de crescimento do restante da cidade foi espontâneo e não planejado. Se fosse planejado, o metrô teria sido feito para a Barra na década de 80 e a ocupação da região seria o dobro da atual. É uma área que passou anos sem investimentos em infraestrutura. Mas, com o que foi feito em transporte para Copa e Olimpíadas, agora é natural que este novo ciclo se inicie - considera Marco Adnet, diretor de Negócios da Unidade Rio de Janeiro da Tegra Incorporadora, que salienta o pioneirismo da região:

- Traz um conceito novo de urbanismo que é essa praticidade de, em uma mesma avenida (Abelardo Bueno), ter um shopping center, cinco hotéis, hospitais e toda a mobilidade de BRT com duas vias que são as principais do Rio: a Linha Amarela de um lado e a Transolímpica do outro.

STATUS DO MESTRE

Para levar vida ao bairro, a incorporadora busca parcerias com administradoras para para locar os 12 mil metros comerciais e desenvolver um mix de lojas como âncoras. O lançamento do mall está marcado para novembro.

- Estamos falando de longo prazo. Temos que esquecer as intercorrências de crise aqui, crise ali. Isto não faz parte do crescimento de uma cidade. O Rio de Janeiro tem vocação para crescer.

Pioneiro no desenvolvimento da Barra, Carlos Carvalho, presidente da Carvalho Hosken, acredita que, por conta da economia, vai demorar um tempo para que a região consiga se desenvolver em plenitude.

- O Rio voltou à época de 82, com tudo parado. Com o país parado, a atividade imobiliária para também. Notadamente vai levar um pouco de tempo para que se aproxime mais o desenvolvimento da área - afirma ele, que no Centro Metropolitano desenvolveu o Shopping Metropolitano e o Hotel Hilton.

O arquiteto Gerônimo Leitão, autor do livro "A construção do eldorado urbano: o Plano Piloto da Barra da Tijuca e da Baixada de Jacarepaguá, 1970/1988" e diretor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), lembra que o plano-piloto de Lúcio Costa sofreu tantas intervenções e descaracterizações que o urbanista se recusava a tecer comentários sobre o bairro, dizendo que aquilo nada tinha a ver com sua concepção original.

Leitão cita em seu estudo que, no início da década de 1980, o plano começa a ser desvirtuado por parte do poder público com a compra e a instalação da sede da prefeitura em Botafogo, inviabilizando o "Paço da Cidade" no Centro Administrativo na Barra. Em declarações, Costa considerou "falta de visão do governo".

- O que Lúcio Costa propôs e não se consolidou era que toda a máquina da administração pública do estado da Guanabara mudasse para a Barra, já que é o centro geográfico da Região Metropolitana do Rio, promovendo assim um desenvolvimento equilibrado. Mas a proposta não foi adiante. Ainda que tenha havido mudanças substanciais no plano, quem chega à Barra consegue identificar que há algo diferente do restante da cidade - considera.

Para Lucas Fahaulber, conselheiro e coordenador da comissão de políticas públicas do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio (CAU/RJ), a ocupação deste "novo bairro" vai levar bastante tempo, ainda mais por conta do encalhe dos apartamentos do enorme condomínio Ilha Pura (leia sobre a retomada da vendas na página 2), localizado a apenas 6km de distância.

- A Barra é uma região que, desde a década de 70, tenta se consolidar . O estado continua induzindo a povoação, principalmente investindo na área de transporte. Era uma grande gleba vazia que está rodeada de projetos públicos, enquanto outras áreas das cidades, mais necessitadas, não receberam nada - opina ele.

Quem passa à noite pela Avenida Salvador Allende percebe que alguns apartamentos do condomínio Ilha Pura estão com as luzes acesas. A estratégia discreta e silenciosa faz parte da retomada das vendas do residencial com 3.604 apartamentos, construído para ser a Vila dos Atletas durante a Olimpíada de 2016. Mas apenas 230 unidades foram vendidas. Dos sete condomínios do bairro de 800 mil m², três estão disponíveis para a compra.

- É inacreditável que tenhamos conseguido fazer. É o maior empreendimento da América do Sul, voltado para o atendimento de uma população com poder aquisitivo mais alto - diz Carlos Carvalho, presidente da Carvalho Hosken, que construiu o local junto com a Odebrecht.

Inicialmente cotado em R$ 11 mil o metro quadrado, atualmente o valor está R$ 8 mil.

- O valor está mais baixo que na época do lançamento. Mas o preço era decorrência de um período em que houve muito desenvolvimento da área imobiliária - lembra Carvalho, acrescentando que, por enquanto, não haverá uma grande publicidade para estimular a venda.

- Estamos acompanhando os fatos. Uma grande campanha não vai resolver. Se a economia melhorar, investimos na campanha.

Para este relançamento, há cerca de 1.500 corretores envolvidos, de diferentes empresas. De acordo com Marcio Cardoso, presidente da Sawala, uma da imobiliárias convocadas para o trabalho, a resposta do público tem sido positiva:

- Como os prédios receberam os atletas paraolímpicos, o condomínio é todo preparado para receber cadeirantes, da área de lazer até o elevador com tamanho maior - diz ele, citando um dos atrativos do empreendimento.



O Globo, Ana Carolina Diniz, 10/jun