Amanhã, quando o ponteiro do relógio marcar 15h, horário de Brasília, a seleção entra em campo em Rostov-on-Don, cidade russa de 1,1 milhão de habitantes, em partida contra a Suíça, começando um novo ciclo astral em que a cada quatro anos, período entre duas Copas do Mundo, o planeta perde-se em sessões macunaímicas de futebol, onde o Brasil reina pela sua mestiçagem e ginga singular, verdadeiro povo novo que é sobre a face da Terra.
Falamos sobre ponteiro, mas a hora certa oficial do país é organizada em função de um horário internacional, vinculado a um fuso específico, referencial, onde ficam as ilhas britânicas, Portugal, o Arquipélago da Madeira e países setentrionais-ocidentais do continente africano, em linha que passa por Marrocos, Mali, até entrar em parte do Benim e seguir ao Polo Sul.
Esse fuso central, que firma os outros 23, dividindo o globo terrestre em 24 ângulos de 15 graus, organiza os tempos civis do mundo e é chamado UTC, ou Universal Time Coordinated, ou Tempo Universal Coordenado, ocupando Brasília a posição ocidental a três fusos de distância deste, portanto o tempo oficial do Brasil é o UTC -3, ou seja, quando são 12h no UTC zero, aqui são 9h.
Antes era chamado de Tempo Médio de Greenwich, ou Greenwich Mean Time, ou GMT, cuja referência, o meridiano de mesmo nome, separando Ocidente do Oriente, na divisão do mundo pelo Império Britânico, pois tempo também é uma escala político-ideológica. Assim, abandonou o protetorado da monarquia e seu tempo regulado astronomicamente, e passamos a ficar organizados em função da pulsação atômica de relógios baseados em césio.
A divisão do planeta em faixas de 15 graus significam, na linha do Equador, largura de cerca de 1.667 quilômetros. Nas latitudes mais elevadas, essas larguras se reduzem por causa da circunferência do planeta, e, assim, os fusos são mais estreitos quanto mais próximos dos polos, portanto os horários diferentes também mais próximos. Na latitude de Moscou, 55º Norte, em cerca de 1.069 quilômetros muda-se de hora, numa economia de 598 quilômetros em relação à linha imaginária que divide a Terra entre Norte e Sul.
As divisões dos horários são seguem a simples geometria euclidiana, mas também fatores geográficos e políticos. Também podemos compreender a largura das dimensões brasileiras e a decisão política de colocar as regiões costeiras, onde se concentra a população dentro do horário do planalto central, organizando o país em quase dois fusos horários não fosse o arquipélago de Fernando de Noronha e o Acre, que têm fusos dedicados, totalizando quatro.
Mas, se horário é uma abstração, tempo é o recurso mais valioso que há, contudo jogamos com ele de forma jocosa, como fazemos com a bola, mas desta vez estamos dentro dela.
Apenas o Rio de Janeiro concluiu as obras de mobilidade previstas como legado da Copa do Mundo do Brasil a tempo para o evento em 2014, quando terminou a Transcarioca. Todas as outras 11 cidades-sedes não entregaram no prazo soluções que deveriam poupar tempo de vida das pessoas nas aglomerações urbanas do país. Mesmo com a assinatura da Matriz de Responsabilidade da Copa pelos prefeitos dessas capitais ainda em 2010, até hoje, passados oito anos, os projetos não foram concluídos. São Paulo, Salvador, Belo Horizonte e Curitiba estão mais próximas da conclusão com previsão para o primeiro semestre de 2019. Já Manaus, Cuiabá, Fortaleza, Brasília, Recife, Porto Alegre e Natal estão com obras atrasadíssimas ou até mesmo abandonadas. O caso do VLT da capital do Mato Grosso é famoso com seu custo bilionário, e sequer chegou à metade do desenvolvimento.
Não podemos esquecer que, com o objetivo de "acelerar" as obras para a Copa, o governo federal fez o Regime Diferenciado de Contratação, em 2011, ou há sete anos, para permitir que as obras incorporassem e controlassem as etapas de estudos e projetos técnicos, numa visão falaciosa de que a construção, ao dominar o planejamento, acelera a realização. Empreiteiras gostaram. Políticos municiais e estaduais, responsáveis pelas licitações e fiscalizações, gostaram.
A "Copa das Copas" prometia ser um sucesso. Foi o que foi. E as prisões hoje estão cheias de relógios caros, e os brasileiros nas principais regiões metropolitanas continuam a experimentar fusos horários infinitos para ir da casa para o trabalho e para retornar, não tendo tempo de vida para estudar, namorar, ir ao teatro, ao cinema, ler, beijar os filhos ou empreender. Também estão em prisões junto com seus algozes, mas alguns deles contam com o gozo de tornozeleiras eletrônicas e TVs de muitas polegadas.
Que nossa seleção saia vitoriosa amanhã e sempre, até o final, e ganhe o caneco, para que a alegria do futebol contagie a todos, mas especialmente aqueles que mais sofrem, fazendo o tempo menor, parado no ar com o grito, e os inspire para vencer as dificuldades. E, se não der o hexa, haverá ainda este ano outra oportunidade de ganhar tempo, votando bem e se lembrando de quatro anos atrás e daqueles que não entregaram o prometido.