A escalada das ameaças de uma guerra comercial entre Estados Unidos e China provocou ontem um baque nos principais mercados globais. Os investidores ficaram preocupados com a nova ameaça de Donald Trump, na noite de segunda-feira, de sobretaxar em 10% importações chinesas no montante de US$ 200 bilhões, valor que pode dobrar se Pequim retaliar. As perdas mais significativas foram nos índices acionários da China: o Shenzhen Composite desabou 5,77%. Esses mercados não haviam funcionado na véspera devido a um feriado, não tendo refletido ainda, portanto, o anúncio de sexta-feira, de tarifas extras sobre US$ 50 bilhões em produtos chineses - que Pequim decidiu retaliar no mesmo montante. Em Nova York, o índice Dow Jones perdeu 1,15% e anulou todo o ganho acumulado no ano, estando agora em território negativo. No Brasil, por fatores internos, o Ibovespa foi exceção: subiu 2,26%.
Uma guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo terá efeitos em todos os países. Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), ressalta que as medidas protecionistas de Donald Trump tendem a frear a economia chinesa - que tem nas exportações um de seus pilares - e desacelerar o crescimento mundial. Com a menor demanda por commodities (matérias-primas) por parte da China, os preços no mercado internacional devem cair, reduzindo os embarques brasileiros ao exterior, tanto em volume como em valor.
Por isso, Langoni ressalta que o Brasil tem mais a perder do que a ganhar com a disputa entre EUA e China:
- O que o Brasil pode ganhar na margem, com uma eventual substituição de produtos americanos a serem barrados pelos chineses, é anulado pela desaceleração do comércio mundial e do próprio crescimento chinês.
PREÇOS FUTUROS DA SOJA RECUAM
A China é o maior parceiro comercial do Brasil. De janeiro a maio deste ano, exportamos US$ 24 bilhões para o país asiático - um quarto do total. Além disso, a balança comercial com a China é favorável, ou seja, superavitária. Já os EUA responderam por 11% de nossas exportações até maio, e os embarques (US$ 10,4 bilhões) são inferiores às importações (US$ 11,4 bilhões).
José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), também cita como risco para o Brasil a queda nos preços das commodities:
- O Brasil perde porque guerra comercial é protecionismo, que reduz o comércio, reduz demanda, as commodities caem de preço, e o Brasil fica mais enfraquecido. A consequência natural é uma queda (nos preços) das commoditi-
es, e o Brasil não tem como se defender disso - destaca Castro, lembrando que as vendas de soja representam cerca de 13% da pauta exportadora brasileira.
E foi justamente a soja que derrubou ontem os mercados de futuros agrícolas nos EUA. Os contratos de soja para novembro desabaram 7,2%, para US$ 8,645 pelo bushel, o menor preço desde março de 2016, segundo a Bloomberg. A soja é o principal produto americano exportado para a China. Desde o fim de maio, a indústria de soja dos EUA perdeu US$ 6 bilhões. Rich Nelson, estrategista-chefe da corretora Allendale, disse à Bloomberg que "os operadores estão no modo pânico".
- Os preços da soja estão caindo como resultado direto dessa disputa comercial - disse à Bloomberg John Heisdorffer, presidente da Associação Americana de Soja. - Temos procurado seguidamente o governo Trump, implorando para que eles ouçam o nosso lado da história.
Langoni lembra que o Brasil já atravessa uma fase de grandes incertezas, com um cenário político nebuloso para as eleições de outubro e uma forte pressão sobre o câmbio, devido à política do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) de elevar a taxa de juros, o que atrai capital para o mercado americano:
- Se de fato essa guerra comercial se intensificar, a recuperação econômica brasileira, que já está lenta, pode ser afetada.
Langoni enfatiza ainda que, sem o papel "ativo e colaborativo" dos EUA, a Organização Mundial do Comércio (OMC), que tem os americanos entre seus fundadores, está ameaçada. A expansão do comércio global foi uma das alavancas do crescimento dos países. Pela primeira vez em muitos anos, diz o economista, há uma expansão sincronizada: países que representam mais de 80% do PIB mundial estão crescendo. Um ciclo que pode ser abalado.
Castro, da AEB, lembra que a briga entre EUA e China deve agravar o cenário para as exportações brasileiras, que já sofreriam este ano por causa da crise na Argentina. Na última projeção, divulgada em dezembro, a entidade estimava para este ano crescimento de 1,1%, para US$ 218 bilhões, das vendas para o exterior. Agora, Castro já espera desempenho negativo.
- Não sabemos quanto, mas que vai cair, vai - afirma o especialista, que divulgará em julho a revisão das contas para o comércio exterior. - Tem uma série de fatores. A Argentina deve impactar as exportações, a economia deve crescer bem menos do que se esperava no início do ano. A taxa de câmbio também influencia.
O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, considera que a escalada da tensão comercial "só vai atrapalhar o país":
- Para mim, a atitude do Trump é muito prejudicial ao agronegócio.
Outro efeito, para o Brasil, da disputa entre as duas maiores economias do mundo é uma possível invasão de produtos chineses, que teriam por destino original o mercado americano. Além disso, os produtos brasileiros terão de brigar por espaço com as exportações da China.
- Supondo que a produção chinesa não diminuirá, a tendência é que eles sejam mais agressivos comercialmente em outros mercados - afirma um membro da equipe econômica, sob condição de anonimato. - A União Europeia, no caso do aço, já tratou de fechar seu mercado, temendo esse efeito.
CONSEQUÊNCIAS TAMBÉM NA AMÉRICA LATINA
Apesar desse cenário, a tendência do governo brasileiro é não entrar em rota de colisão com os Estados Unidos. Isso porque Michel Temer está em fim de mandato. Além disso, os técnicos sabem que o poder de pressão do país é baixo.
Outros países da América Latina serão afetados pela briga comercial. Para Ángel Melguizo, chefe da América Latina do Centro de Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o acirramento do conflito pode ter impacto no crescimento da região:
- A depender das medidas adotadas, há um impacto potencial de 0,5 ponto a 1 ponto percentual do PIB.
Segundo Melguizo, a OCDE ainda não tem um estudo específico sobre os impactos das medidas recentes tomadas por EUA e China.
- Já estamos há alguns anos alertando sobre o uso de medidas protecionistas. Mas o importante é que a América Latina não está seguindo esses passos. Pelo contrário, colocou mais medidas de liberalização entre os vizinhos - diz Melguizo, citando as conversas entre Mercosul e Aliança do Pacífico. *A repórter viajou a convite do Santander